No caso específico da Cidade de Montes Claros, NENHUM dos três Decretos impugnados traz em suas considerações, fundamentos ou razão de existir, a base ou a evidência científica em que são embasados, conforme determina a Lei Federal que regulamenta a matéria, o que, por si só, os tornariam sem qualquer validade jurídica.
Ao contrário, nos “considerandos” que arrimam o Decreto nº 4.325/20210, o próprio Poder Executivo local admite a existência de estabilidade dos índices epidemiológicos da COVID-19 no Município, além da disponibilização, a quem o desejar, o esquema vacinal completo e em um dos “considerandos” do Decreto nº 4.328/2021 reconheceu expressamente sua (in)competência é limitada a “estabelecer normas complementares”, nunca normas originárias, de competência legislativas Federal e Estadual.
Não bastasse isso, os “Decretos Municipais”, oferecem apenas duas alternativas ao cidadão: submissão ao esquema vacinal ou apresentação de teste negativo de RT-PCR, neste último caso, não indica o equipamento público onde poderão ser realizados os exames, o que deveria ter feito, nos termos da Lei Municipal nº 5.252/2020, que impõe a gratuidade no tratamento e realização de exames relativos à COVID/19.
As normas são ainda omissas em pelo menos duas outras situações: a primeira referente aos cidadãos que não podem ser inoculados com a vacina por restrição médica e daqueles que já foram contaminados, curados e tem em seus corpos os anticorpos neutralizantes contra a COVID/19, e que pode ser comprovado através de exames laboratoriais específicos, que é o caso do impetrante, e que, em última análise deveriam servir até mesmo para a comprovação da eficácia da vacina, que é a produção de imunização, detectável através da produção de anticorpos neutralizantes no organismo dos vacinados.
As restrições impostas nos três Decretos Municipais, sem embargo de terem em si a intenção de “forçar” a imunização coletiva pela vacinação em massa da população local – ao retiram do cidadão outras formas de comprovação do mesmo resultado e ao não lhes fornecer o equipamento público necessário para a realização dos exames cuja eficácia admite, incorrem em vícios sanáveis através da intervenção do Poder Judiciário.
Há de ser considerado ainda, que os Decretos Municipais extrapolam sua própria competência legislativa:
PRIMEIRO porque a Constituição NÃO conferiu ao MUNICÍPIO a competência para regular as atividades do sistema educacional, financeiro, muito menos sobre as diretrizes da política nacional de transportes; o regime dos portos, a navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial; o trânsito e o transporte e a organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões. O artigo 22 da Constituição Federal atribui a competência privativa da União Federal legislar sobre esses caros temas, todos de interesse nacional.
SEGUNDO porque a questões postas no processo NÃO SE REFEREM à COMPULSORIEDADE ou OBRIGATORIEDADE de vacina ou outro lindo termo semântico que queiram usar em substituição, MAS APENAS e tão somente à NÃO CONFORMAÇÃO dos Decretos com o ordenamento jurídico, suas omissões e evidentes ilegalidades.
ILEGALIDADE por obvia e evidente incompetência legislativa – Friso, o STF não deu e nem poderia ter dado ao Município ou ao Estado uma competência não prevista na Constituição, daí a norma local, que deveria ter apenas e tão somente caráter suplementar – na parte que lhe cabia, ultrapassou essa competência legislativa, implantando direito originariamente não previsto e legiferando sobre matéria que não era de sua competência originária (e nem tinha poderes para tal – ainda deve haver Poder Legislativo Municipal).
ILEGALIDADE porque invadiu competência legislativa que a Constituição Federal atribuiu à União Federal (e não ao Município), na matéria referente à regulamentação do funcionamento do sistema educacional, as bases da educação, o sistema financeiro, a respeito da exploração da navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária; os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros e sistema educacional – – artigo 21, XII, “c, d, e” e artigo 22, VI, IX, X, XI, XVI, XXIIV.
Nesse sentido, não se mostra razoável exigir do impetrante o cumprimento de obrigação que pode ser feita de outra forma, notadamente a apresentação do “teste de Neutralização SARS-COV-2/COVID19”, juntado no Id 7367523019, e que comprova estar o paciente já imunizado contra a terrível doença.
Pelo exposto, DEFIRO o pedido de liminar, para deferir ao paciente ISAÍAS CALDEIRA VELOSO SALVO CONDUTO, a fim de que o Município e a Autoridade Coatora se abstenham de impedi-lo de adentrar, circular, permanecer em todos os locais de acesso permitido, não se lhe aplicando as vedações impostas nos Decretos Municipais nº 4.325/2021, nº 4.328 e nº 4.330/2021.
A presente decisão, assinada eletronicamente, tem aplicação imediata e efeito geral e se aplica a todos os munícipes em situação análoga à do impetrante.
Notifique-se a autoridade coatora para que preste, no prazo legal, as informações que entender necessárias.
Intime-se o autor.
Montes Claros, 09 de dezembro de 2021.
Marcos Antonio Ferreira Juiz de Direito
Veja na Integra Processo 5021327-06.2021.8.13.0433 – decisao